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Ficção, política, memória e testemunho: “Os salteadores”, de Jorge de Sena
Resumo
As marcas que a Guerra Civil de Espanha deixou na obra e na vida de Jorge de Sena, que tinha dezanove anos quando o conflito foi encerrado, por Franco, no 1.º de Abril de 1939, dia das mentiras, são extensas e profundas. Alguns dos aspectos da guerra de 1936-39 e das suas consequências portuguesas, vividos ou testemunhados pelo jovem poeta, foram por ele transmutados em ficção, com destaque para o romance Sinais de fogo, publicado, postumamente, em 1979, e para Os Grão-Capitães, uma sequência de contos publicada em 1976 e escrita em 1961-62, no coração do seu exílio brasileiro, nesses “anos negros de quando parecia que o salazarismo não acabaria nunca” (Sena, 2016: 235).
Em Os Grão-Capitães, um dos contos, “A Grã-Canária”, parece mesmo dar continuidade, em termos ficcionais, ao final suspenso de Sinais de fogo, ao mergulhar no epicentro da revolta franquista, de onde emerge, prodigiosamente, um amor impossível, ibérico, mas redentor no instante da sua duração, entre um cadete da marinha de guerra portuguesa e uma rapariga espanhola que a perseguição política e a pobreza forçam à miséria da prostituição.
Outro conto capital para a construção da memória literária dessa guerra ibérica e europeia é “Os salteadores”, também de Os Grão-Capitães. Este conto, baseado no caso dos combatentes republicanos que, encurralados pelo avanço das tropas franquistas, se refugiavam na raia de Portugal, constitui uma reafirmação da importância de Jorge de Sena e da literatura portuguesa para o memorial da guerra de Espanha, mostrando que o tempo de uma guerra excede a sua duração e a sua geografia extravasa as suas fronteiras.