Em Destaque... Uma terra de ninguém (com gente dentro)
Que língua fala a poesia?
Resumo
Começo com duas ideias. A primeira: ainda que seja comunicação, o primeiro gesto da arte (neste caso, a poesia) é consigo mesma. A interacção (que inclui a ideia de "intenção", porque dirigido ao outro) vem depois. Mas o gesto primeiro é sempre um salto no vazio. Por isso me parece que os grandes poemas são escritos "em falha", embora mantendo com o real sempre uma relação. A poesia é sempre escrita numa língua estrangeira, como disse mais do que uma vez Maria Irene Ramalho.
A segunda ideia que para aqui trago relaciona-se com a imagem da impressão digital. A impressão digital é o que melhor nos define como seres humanos, como indivíduos absolutamente únicos; não há duas impressões digitais iguais. Mas a impressão digital define-nos a identidade só do ponto de vista biológico. Eu sou portuguesa, eu não sou inglesa, nem alemã, nem francesa. Mas sou, dentro da minha individualidade, europeia. Sinto-me europeia. Porque a identidade é também identificação e a identificação constrói-se pela presença de memórias. O nosso passado cultural europeu é comum e, tendo obviamente a ver com elementos variadíssimos, não passa por uma língua comum, mas, e no caso da chamada Europa Ocidental, por um entendimento da cidadania que de alguma maneira nos investe de gestos semelhantes.